quinta-feira, 31 de julho de 2008

VISÃO E PERCEPÇÃO DO ESPECTADOR EM DANÇA

RESUMO
O que temos feito com nossa dança nos dias atuais? Criticamos os críticos com fervor, mas temos analisado a dança a partir da ótica do espectador leigo?
Este trabalho apresenta tópicos sobre este tema e tem como objetivo despertar em nós, profissionais da dança, o desejo de levar ao público algo que o faça dançar junto conosco.

Palavras-chave: Dança. Crítica. Percepção.

1. INTRODUÇÃO

Ao criticarmos qualquer coisa, seja esta arte ou não, precisamos conhecer e entender mesmo que pouco sobre o assunto. A arte não é para ser entendida, mas sentida. Mas, através da ótica do espectador leigo (aqui, em dança), ele tem o desejo de ser afetado pelo que está assistindo e quando não é na maioria das vezes julga ruim o que viu. Concordo que existem coisas ruins por aí, mas para quem pensa dança é mais fácil entender e filtrar quando este ruim é falta de pesquisa, dedicação e ensaios. Mas e o público leigo, como o fazer?
Imagino que para a realização e um trabalho artístico, seja em qualquer área, é necessário haver muita pesquisa e dentro dessa pesquisa procurar o que afetará o público, o que prenderá a atenção dele. Percebo que o que ocorre nos dias de hoje são [alguns] trabalhos realizados a partir de algo que afeta o próprio intérprete, sem uma grande preocupação com o que causará ao público. Se o trabalho é realizado desta maneira, não pode-se esperar grandes elogios da crítica.
Ouço falar muito sobre “virtuosismo” atualmente, mas para o público leigo entender o que é pesquisa corporal, dança em si, não há possibilidade de afetá-los e atrair sua atenção de forma diferente. Só serão atraídos pelo que é belo, de acordo com a percepção de belo impregnado em nossa sociedade, ou seja, virtuoso.
“Criar é, basicamente formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse “novo”, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.” (Ostrower, 2008, p. 9)

2. ANALISANDO O ÂNGULO DE VISÃO DO ESPECTADOR
O espectador espera algo novo e que ele possa compreender. Talvez não compreender a idéia mais intrínseca, mas compreender que o que ele assiste o leva para algum lugar, mesmo que ele não entenda ou não saiba que lugar é este. Sua mente deve ser capturada para dentro do que está vendo ou assistindo. Se ele vê um quadro, a pintura deve levá-lo para algum lugar. Se um espetáculo de dança, os movimentos devem levá-lo ao palco (mesmo sentado) ou remetê-lo a algo. Deve haver uma relação, uma interação entre público e intérprete.
“O “pássaro” da imaginação dinâmica, tal como um pássaro de fogo sem asas, nas suas chamas lancinantes nos convida a queimar as gaiolas da retenção das formas costumeiras. Isto não quer dizer, que façamos um simples jogo desinteressado com as formas. É o contrário. A plenitude das formas reside no fato de ir à energia sublime que as alimenta, enquanto uma espécie de vibração no íntimo do ser.” (Lima, André Meyer Alves, 2004, p. 35).
Ou seja, precisa haver um motivo, uma pesquisa (que significa trabalho!), um por quê.
Arthur Xexéo, em um de seus textos publicados no Jornal O Globo, fala sobre essa questão:
“Não tive boas experiências com dança contemporânea. Sei que essa frase pode dar a impressão de que fui um fracasso nas minhas tentativas de ser bailarino. Não é verdade. Nunca tentei. Estou me referindo às minhas experiências como espectador. Sou daqueles que são capazes de dar um grand-jeté se, em troca, for desconvidado para assistir a mais uma experiência coreográfica no Espaço Sesc. Desisti de tentar entender qual é a graça de entrar numa sala apertada, com mais 20 pessoas, sentar numa cadeira desconfortável para ver um grupo — bem, grupo é modo de dizer; geralmente, são três ou quatro bailarinos... bem, bailarino é modo de dizer... enfim, recapitulando: três ou quatro dançarinos pelados (se é dança contemporânea, para que gastar com figurino?, devem se perguntar os coreógrafos modernos), estáticos, sentados no chão e que, a cada 15 minutos, fazem, bem lentamente, um movimento circular com o dedão do pé direito. Tudo isso sem música. Afinal, é uma experiência coreográfica. E com muito gritos. Como_se_grita_na_dança_contemporânea.Tô fora. Abro uma exceção, a cada dois anos, para a companhia de Deborah Colker. É outra história. Ali, um grupo de 15 bailarinos enche o palco. Deborah faz um espetáculo. Sua trupe escala paredes, gira em rodas-gigantes, atravessa espelhos. Sua música — sim, existe música nos espetáculos de dança de Deborah Colker! — é marcante. Seus figurinos são surpreendentes. Os elementos coreográficos que dividem o palco com ela são impactantes._E_o_grupo..._dança!!!Digo isso porque senti uma certa implicância por parte dos amantes da dança moderna carioca com “Cruel”, a coreografia com que Deborah ocupou na semana passada o Teatro Municipal. “Cruel” não é mesmo o melhor espetáculo de Deborah — o que é muito natural numa companhia que já possui um repertório com dez espetáculos diferentes —, mas está muitos anos-luz à frente de qualquer outro apresentado recentemente pelas companhias modernas cariocas. Companhia é modo de dizer — a maioria das companhias cariocas_só_se_forma_quando_tem_algo_para_estrear.Deborah Colker esteve em cartaz na semana passada e, mais uma vez, leu os comentários-clichê. Criticou-se a música — aí até entendo: quem elogia espetáculos sem música não pode gostar mesmo —; a frontalidade da coreografia — meu Deus, qual é o problema de bailarinos dançarem de frente para o público? —; a repetição dos movimentos... sou muito mais movimentos repetidos do que ausência_de­­­_movimentos.O verdadeiro problema de Deborah Colker é que seus espetáculos não cabem no mezanino do Espaço Sesc. Ela lota o Municipal, faz temporada de dois meses no João Caetano, dá a volta ao mundo deslumbrando platéias e demonstra, a cada apresentação, como é supérfluo o que a gente escreve sobre ela. Comentários negativos não lhe tiram um só espectador; os positivos não lhe dariam um espectador a mais. O público descobriu Deborah Colker sozinho. E não quer abandoná-la.”
(“A Dança Contemporânea”, Texto de Artur Xexéo, originalmente publicada na Revista O Globo, no dia 4 de maio de 2008).
Como evitar críticas como esta? Ou não evitar? Depende. Para os intérpretes que não se importam com o que o público sentirá com a sua dança/arte, não pode e nem deve evitar porque acontecerá naturalmente. Se o artista deseja levar ao palco algo que é somente dele, sem preocupar-se com o olhar alheio, deve estar preparado para tal. O público não sabe o que se passa dentro do intérprete; não sabe se o trabalho é resultado de uma história, de uma emoção ou uma vivência, ele apenas deseja ser afetado de alguma forma (volto a lembrar que falo do público leigo, meramente espectador e não pensador em dança).
Xéxeo em seu texto massifica toda a classe de bailarinos contemporâneos como não-bailarinos, mas dançarinos e todas as Cias como grupos que só se reúnem quando estão prestes a apresentar um espetáculo. Sabemos que isso não é verdade. Existem, mas não estão todos em um mesmo conjunto. Mas o que quero enfatizar na crítica do Xexéo não é este ponto de vista, mas a visão dele enquanto público. Será que o público em sua maioria tem pensado desta forma? Fica aqui a pergunta.
A dança em nosso país já não está nos primeiros lugares do “rancking” das artes e estamos mais do que cansados de saber disto. Sabemos, mas não saímos dela; e se a amamos tanto, por que olhamos para críticas como esta do Xexéo e rebatemos com mais e mais críticas? Nos chateamos e nos angustiamos por falarem de nossa arte. Mas tenho uma pergunta a fazer: estamos trabalhando para reverter este quadro ou reclamamos e criticamos a crítica sem agirmos?
Precisamos nos preocupar sim com o que o público pensa e sente de nossa arte. Do contrário, como alcançaremos os lugares que desejamos?
Li um artigo sobre a globalização e banalização da dança, que se encaixa perfeitamente ao assunto aqui abordado:
“Não sejamos demagogos! No Brasil, nossa referência, para quem vive da dança, ela é produto, comércio. Aqui se encaixaria aquela célebre frase "arte e sonhos alimentam o espírito, mas não enchem barriga." Portanto, como sobreviver profissionalmente neste contexto? Vendemos (ou pelo menos tentamos) aulas e espetáculos. Isso é fato. E às vezes parece que temos que nos sentir culpados por isso. (...) E é por isso que somos convidados, sim, centenas de vezes para nos apresentarmos em festas, eventos, convenções, etc., sem remuneração! Ah! E não podemos nos esquecer de nos sentirmos lisonjeados, pois alguém lembrou de nós e nos proporcionou a entrada para o mundo "mágico" da divulgação do nosso trabalho! Será que permanecemos na retrógrada política do Pão e Circo?Não devemos ter vergonha de colocar valor em nosso trabalho. E consideremos a palavra valor aqui não apenas como mérito, mas também como significação monetária. (...) Receber pelo serviço prestado é direito e não favor. Isso sim deve ser divulgado! A preocupação central de um artista, portanto, deve se concentrar no aspecto do produto a ser comercializado e na sua qualidade. Na era em que o resgate individual e a busca de identidade cultural se dissolvem e se escoam "interneticamente", tecendo uma rede que torna público o privado, onde estará a dança-arte?
(fragmentos do artigo “A dança e a globa(na)lização”, de Ana Carolina Mundim, publicado no site conexaodanca.art.br).

Preocupo-me com a falta de preocupação dos que não se importam com o produto final de seus trabalhos. Existem multidões de profissionais sérios, mas estes estão sendo taxados como não-sérios pela massificação feita pelo público (volto a lembrar, do público leigo). Temos em nossas mãos (ou, neste contexto, em nossos corpos) uma arte poderosíssima e influenciadora. A questão é para onde a estamos levando? O que estamos fazendo com essa liberdade?
A liberdade é algo maravilhoso, mas tem se tornado perigosa na dança. Hoje pode-se tudo, afinal na dança contemporânea não há limites. Será?
“A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural. Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorações culturais se moldam os próprios valores de vida. No indivíduo, confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de uma mesma relação: a sua criatividade que representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a realização dessas potencialidades (...)”.(Ostrower, 2008, p. 5).

As potencialidades do indivíduo não podem ser confundidas com liberdade desenfreada - se posso simplesmente faço -. Devo analisar:
1. Faço por quê?
2. O que me motiva?
3. Onde quero chegar com meu fazer?
4. Tenho objetivos?
5. Conheço o que faço?

“Uma cultura de movimentação começa a se esboçar, rompendo e promovendo rupturas profundas nas suas concepções das técnicas corporais, inclusive nas linhagens da dança. Estas técnicas, de processos, de estilos e de gêneros de dança na estética coreográfica contemporânea criaram um espaço para o corpo e para a movimentação e que valorizam a hibridização.
Por outro lado, criticando esta hibridização, que se vista de uma maneira superficial, como mero pluralismo justaposto, uma questão de soma, não necessariamente garante a compreensão dos princípios nascentes das genealogias corporais que são misturadas. Neste sentido, somos levados a concordar que “os cruzamentos de estados de corpo não produziram, de fato, uma polissemia, mas sim uma estranha maneira de se deslizar entre corporeidades incompatíveis.” (Lima, André Meyer Alves; Louppe, apud, Ciríaco, 2000, p. 29).

Precisamos banhar de sentido o que fazemos artisticamente. O espectador não é obrigado a entender o que fazemos se não o direcionamos a um sentido. A diversidade de linguagens pela qual estamos vivendo na dança, ao invés de trazer a sensação de liberdade ao espectador, tem confundido, na maioria das vezes, o entendimento quanto às propostas colocadas; sem contar os casos onde não há proposta.
“Ao constatarmos a presença das diversas qualificações que se fundem no ato criativo, cabe diferenciá-las. O homem será um ser consciente e sensível em qualquer contexto cultural. Quer dizer, a consciência e a sensibilidade das pessoas fazem parte de sua herança biológica, são qualidades comportamentais inatas, ao passo que a cultura representa o desenvolvimento social do homem; Configura as formas de convívio entre as pessoas.” (Ostrower, 2008, p. 11).

3. CONCLUSÃO
Considerando então as questões aqui abordadas, sejamos mais criteriosos ao preparar nossos trabalhos quando construídos na intenção de levá-los ao público. Preocupemo-nos conosco sim, com o que estamos dançando, mas lembremos que aqueles que vierem a assistir devem, de alguma forma, participar de nossa dança junto conosco.
Dancemos com motivo, prazer e entendimento, todavia sem deixar o público de fora.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIMA, André Meyer Alves. A Poética da Deformação na Dança Contemporânea. Rio de Janeiro, Editora Monteiro Diniz, 2004.
NOVARINA, Valère. Diante da Palavra. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, 2003.
OSTROWER, Fayga. A Sensibilidade do Intelecto. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1998.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis, Editora Vozes, 2008.
___________. Conhecendo e Reconhecendo a Dança na UFRJ. Anais do III Seminário Interno do Departamento de Arte Corporal da Escola de Educação Física e Desportos. Rio de Janeiro, DAC/UFRJ, 2007.
MUNDIM, Ana Carolina. A Dança na Globa(na)lização. Disponível na internet via http://www.conexaodanca.art.br/ .
XÉXEO, Arthur. “A Dança Contemporânea”. Revista O Globo de 4 de maio de 2008.